Em nosso cotidiano, a comunicação é permeada por histórias, por fatos que narramos, por motivações e com intenções diversas. E isso transborda para os ambientes profissionais e dos negócios e tem se tornado um recurso com usos conscientes e objetivos.
Vivemos cercados por números, desde o endereço de casa ou do trabalho, aos preços e referências comerciais, como quantidades ou peso de itens a comprar, por exemplo. Mas também por números da cotação de moedas que influenciam em decisões pessoais e profissionais, períodos e ciclos de realização de atividades, profissionais envolvidos nessas atividades. Vivemos um momento em que os dados, seus usos e papéis vêm ganhando centralidade.
E percebendo que as narrativas que traduzem nosso cotidiano são permeadas pelos números de nossa vida, podemos reconhecer que conjugar habilidades para o bom uso desses dois recursos têm lá sua utilidade em diferentes contextos. E para isso, atenção e sensibilidade são habilidades essenciais, alinhadas com dois outros importantes recursos: saber ouvir e saber falar, de modo a alcançar o outro. E é disso que estamos falando: ouvir seus dados para comunicar; e comunicar contando boas histórias.
Grandes contadores de histórias, ou narradores, envolvem, mobilizam, inspiram, convencem. Você tem, pelo menos, um nome que marcou sua vida com a habilidade de contar histórias. Mas você também já parou para pensar que escutar também é uma arte? Rubem Alves, em seu texto “A escutatória”, fala sobre a sutileza e complexidade do ato de escutar. Da abertura e “silêncio na alma” necessários, da digestão saudável das palavras recebidas, do respeito por aquilo que ainda não sabemos, do cuidado com ideias preconcebidas. Estar presente e com a escuta ativa, aberta e sensível ao que o outro tenha a contar.
E a ideia aqui é essa: a abertura para ouvir o que os dados de seu cotidiano têm a dizer.
Tenho lido sobre dados e narrativas e comecei a chamar essa narrativa dos dados por data storytelling. Para mim fazia sentido. Mas, aos poucos, fui percebendo que data storytelling, assim como storytellig com dados (ou storytellig with data) eram usados com outros sentidos. O primeiro quando os dados são utilizados na construção das histórias e o segundo quando a visualização de dados é central no processo de construção e contação das histórias.
Foi então que pensei em passar a usar data narrative para situar as narrativas que os dados nos contam. Mas por que insisto nisso? Vamos lá! Para contar histórias, para relatar acontecimentos, apresentar fatos [pretendidos] reais é importante que ouçamos bem o que os dados dizem para levarmos a informação à diante guardando fidelidade com o que os dados contaram.
Assim, data narrative, mesmo sendo um termo bem próximo de data storytelling, poderia vir a ser mais apropriado para traduzir a narrativa dos dados, as histórias que eles contam e podem te ajudar a contar? O que você acha?
Nesse ambiente onde o uso estratégico de narrativas e de dados ganha centralidade para os negócios, identificar processos de “escutatória” na relação com eles pode ser um diferencial para as aplicações com data storytelling e storytellig com dados. Isso porque, dados são aplicáveis em contextos e na relação com outros dados. Assim, o potencial de construção retórica aumenta por um lado; mas também se restringe por outro.
Gosto muito do livro “Como mentir com estatísticas”, de Darrell Huff. Naquelas páginas, Huff evidencia alguns possíveis problemas com o uso de dados, a partir de desvios em aplicações técnicas estatísticas, que modificam ou induzem a leituras desalinhadas do conteúdo daqueles dados. Reconhecendo a natureza comercial, de construção de imagem e marcas, de sedimentação de relações com parceiros de longa data, assim como as oportunidades de seus usos na abertura de novas portas, alcance de outros públicos e construção de novos relacionamentos, que tal investir um pouco mais em ouvir o que seus dados têm a dizer?
É uma proposta de uso dos dados como recurso para ampliação do valor dos negócios. Assim, tem valor uma escuta cuidadosa. Não é uma proposta de dataficação de narrativas, de enchê-las de dados. A ideia é identificar as narrativas dos dados do seu negócio para o uso do melhor de seu potencial como, onde, quando, para quê e para quem faça sentido. É construir narrativas mais claras e coerentes na negociação e argumentação, na atração de stakeholders, na aproximação com públicos, visto que conhece bem os dados que está utilizando.
Essa escuta dos dados tem fundamento na construção de uma parceria saudável e perene com eles para estruturar argumentos factíveis e envolventes com quem nos importam e para quem importamos. Comunicar: saber ouvir para construir boas histórias.
Publicado originalmente no LinkedIn, em 6 de agosto de 2019.